O Caminho do Meio

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Eu apertei play e uma voz feminina, suave e gentil, surgiu nos autos falantes do meu smartphone. O número era desconhecido, o que me fez pensar em ignorar a mensagem, uma precaução contra as mazelas que circulam na internet. Mas, naquele dia, não sei bem por que motivo, resolvi ouvi-la. Após explicar quem era e o que fazia, a pessoa me fez um convite. Queria que eu participasse de um evento nacional de educação. O objetivo era que eu contasse a minha história de vida, meus percursos e percalços na arena internacional, meu processo criativo para a escrita e apresentasse também algum exemplo de programa que vi no exterior que poderia ser útil para uma grande variedade de escolas brasileiras. No final da mensagem, ela me confidenciou que havia me encontrado pelo Instagram, onde, de tempos em tempos, publico alguns das minhas experiências pelo mundo e publicito a minha escrita. Fiquei ali pensando, quase sem querer acreditar, e ao abrir o meu computador, confirmei rapidamente todas as informações que ela havia me passado na mensagem. Percebi que aquele era realmente um grande desafio e resolvi responder positivamente a aquele importante contive. Era hora de mergulhar a fundo na preparação para aquele evento.

Dias a fio, trabalhei no formato e no conteúdo da minha apresentação. Escrever sobre histórias de vida é um processo natural para mim. Faço isso quase como respiro e no mesmo passo que observo o mundo. Considero os encontros que tenho com outras pessoas e os momentos que fizeram com que eu mudasse minha visão de mundo elementos singulares no meu processo de aprendizagem. Com isso em mente, resolvi começar a minha apresentação falando sobre como as humanidades ocupam um lugar especial no espírito de época em que vivemos. Esta é a arte da interpretação, que deve ser conduzida através de uma reflexão crítica dos diversos desafios étnicos, multiculturais e políticos que enfrentamos. Este processo de interpretação deve sempre ser realizado através de um ato ético, que torna o trabalho desafiador, pois, para se interpretar o mundo, precisamos constituir em nós mesmos, intérpretes, um senso de que qualquer compreensão deve ser desenvolvida de forma cautelosa e incremental. Pequenos passos que fazem com que um pensamento se forme e que, em última instância, se transforme em ação, em prática. A complexidade no trabalho com histórias de vida ainda impõe a necessidade de fuga do narcisismo, de um escape do pessimismo que pode envolver facilmente a inteligência, especialmente em momentos de profunda crise, como a que vivemos, e um abraço ao otimismo da vontade, que sempre me impulsionou para compreensões mais profundas da realidade que me cerca. Com esses pressupostos, fui montando uma a uma, as lâminas da minha apresentação.

No dia do congresso, tirei do guarda-roupa uma camisa de flanela que ganhei de presente de Natal de minha esposa. Diferentemente de outras que possuo para uso em climas gélidos, aquela havia sido confeccionada com um tecido leve, apropriado para o verão brasileiro. Como praticamente não saio de casa, ainda não tinha tido uma oportunidade de usá-la em público, e julguei que aquela seria um ótimo momento. Na hora marcada, sentado na minha cadeira de escritor em minha biblioteca pessoal fui chamado pela anfitriã do congresso Conecta Escolas Exponenciais 2021. Este, reúne educadores de todas as partes do Brasil em um esforço coletivo para examinar possibilidades de desenvolvimento e inovação para o cenário educacional de nosso país. Assim que entrei na sala virtual, percebi o frenesi que se formava no público que aguardava por minha fala através das mensagens no chat. Para me concentrar, fechei a caixinha de onde emergiam os comentários. Com uma voz pausada e formal, a apresentadora leu o meu currículo para a plateia virtual e imediatamente me passou a palavra. “Sou um escritor e um explorador educacional”, lhe disse assim que liguei o microfone. Títulos e nomes de universidades pomposas, muitas vezes, distraem as pessoas do que realmente somos. Em um passo acelerado, confiante de minhas palavras, corri a minha apresentação contando uma história em quatro atos, em que detalhei a minha vida com fotografias e recortes dos livros que sempre me inspiraram, expliquei como penso a escrita enquanto um ato de reparação simbólica, e analisei o novo mundo de oportunidades que está se abrindo na educação internacional. Por fim, introduzi à plateia de educadores, a metodologia Pre-Texts, que utiliza o fazer artístico enquanto um mecanismo para aperfeiçoar o processo de leitura e desenvolvimento acadêmico. Quando a apresentadora voltou para a sala virtual, pude ver em sua expressão que eu havia cumprido bem a missão que a mim foi confiada. Qualquer tensão que havia em mim desapareceu naquele momento.

Assim que a minha participação no congresso se concluiu, eu resolvi sair de casa para uma corrida. Por conta das múltiplas atribuições de trabalho, fazia já alguns dias que eu não conseguia dedicar tempo para essa atividade. Corri em velocidade de cruzeiro, como alguém que busca reequilibrar sua mente para novos desafios. Assim que retornei, vi em meu smartphone que havia uma mensagem de e-mail da professora que me recebeu como Visiting Scholar na Harvard University. Ela havia criado o programa Pre-Texts, tendo como inspiração autores brasileiros e latino-americanos, enquanto uma resposta de ação das humanidades. Em seu curto e-mail, ela me dizia que se sentiu profundamente inspirada com minhas palavras aquela tarde e que estava orgulhosa em ser minha colega. Aquela mensagem, mais do que qualquer outro comentário, atingiu profundamente meu coração. Em minha apresentação, eu havia enfatizado o quanto vivemos uma época em que a colaboração é fundamental para nossa sobrevivência. Esta não pode ser efêmera, pontual ou permeada por interesses escusos, muito comuns em relações conflitantes. A disputa afasta. A colaboração gera um senso de admiração. Para muito além, as colaborações que engendramos durante estes dias duros de pandemia serão alicerces importantes para construirmos um novo futuro. Eu me arisco a dizer que a forma como colaboramos definirá as oportunidades a que teremos acesso nesta década. Em nosso país, esta precisa ser encarada como o caminho do meio, uma alternativa de amplo engajamento diante da grande polarização que enfrentamos em vários setores. Que o senso de colaboração nos traga novamente para perto das pessoas.

 

 

 

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